Era ali que ia ter o amor sacrílego dos conventos, a paixão miserável das ruas-sujas, a vergonha sangrenta dos adultérios, toda a via dolorosa das profanadas, àquele pequeno cubículo de um acanhado canto, entre um painel da Virgem e um velho escano de castanho...

Era ali que chegava, embrulhado à pressa numa colcha de seda rica ou num cobertor de lã, a cabeça mal coberta duma lanugem de ouro, a boquinha cor-de-rosa na ânsia animal de sugar, as mãos pequeninas bolindo, acenando, chamando pela sua própria desgraça, o ponto final de quase toda a delicadeza de uma qualquer cidade desde tempos imemoriais.

Nas sombras da alta noite, numa velha rua, quando as luzes dos padres se apagavam, já esmorecia a candeia do oratório, era vulgar ver-se escoar na sombra um vulto apressado e ansioso de mulher, parar a meio do caminho para investigar a escuridão, como quem teme ser seguida, galgar as escadas que uma lanterna de ferro alumiava, e ofegante, amantilhada, de trouxa nos braços, enfiar tremendo pela portaria. Daí a pouco, no silêncio da noite, ouvia-se badalar uma sineta. Em seguida, um soluço, um vagido, um beijo, outra vez o guincho agudo dum espigão ferrugento que emperra e que roda, e, andado o tempo dum Pai-Nosso, a mulher voltava, curvada, dolorosa, arrastada como um farrapo, a tropeçar, a arquejar, a morder as mãos, a ganir como uma cadela apartada da cria, desaparecendo, perdendo-se nas sombras do terreiro, esgueirando-se na penumbra da noite... Tinha entrado na roda dos expostos mais uma criança!…

Por ordem de entrada em cena: